sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Confidente

Um show de deformidades e celebridades transitava na visão de Pedro, dia após dia.
Dentro daquelas quatro paredes, uma enorme quantidade de fantasmas assombrava-o com diversão. Mulheres, médicos, jovens, velhos que não tinham onde cair mortos. Todos visitavam Pedro, rindo, resmugando e gritando. Às vezes, até chorando.
Ele não era velho, mas parecia alguém que esperava a morte se apoderar de sua alma. Os olhos cansados não deixavam transparecer que, há muito tempo, ele podia ter sido feliz. Os ombros duros faziam-no parecido com Atlas, condenado a sustentar o peso do céu para a eternidade.
Pedro parecia, aos habitantes, ter uma vida normal, dentro de seus limites. Era também o maior confidente daqueles fantasmas.
Não era incomum que ele soubesse de todas as fofocas do lugar. Era o confidente perfeito, alguém que perdoava os pecados sem necessidade de ave-marias. De vez em quando, ao notar a omissão de fatos ou verificar a falsidade das informações a ele dadas, sua expressão parecia se tornar mais dura. Todos entendiam que era o sinal para deixá-lo em paz.
Tomas tinha muita consideração por Pedro. Respeitava-o, confidenciando-lhe seus maiores desejos e temores. Ser o futuro presidente dos Estados Unidos era um fardo para ele, e precisava ter seus momentos de desabafo. O que ele daria ao irmão, que sequer o visitava em sua mansão? Como ele não era casado, quem seria sua primeira-dama? Como poderiam elegê-lo, sendo um estrangeiro?
Outra confidente era Rita. A morte esquecera dela, e a velhinha estava naquela vizinhança há muito tempo. Diziam nos corredores que ela fora amante de Cristo em tempos remotos, e todo dia a questionam sobre a veracidade da informação. O resultado é sempre o mesmo: o curioso leva um peteleco na cabeça e um aviso:
- Não brinque com a vida dos outros!
Então todos concluíam que era verdade.
A Pedro, Rita dizia sentir falta do marido. Ele morrera alguns anos antes de ela se mudar para ali, e a velha senhora insistia em dizer que ele ainda falava-lhe à noite. Ao apagar das luzes, enquanto Rita repousava sobre o travesseiro, ouvia um suave “boa-noite” sussurrado através do vento fresco.
Como o mais novo da turma, Dinho apenas ouvia boatos sobre a calma e a tranqüilidade que Pedro passava aos velhos habitantes. Demorou ainda algum tempo para fazer a lista de coisas que iria confidenciar-lhe. Pensou muito e levou alguns petelecos para decidir o que dizer.
Demorou tanto para finalizar sua lista que Pedro não estava mais em seu lugar.
Desesperado com a falta do confidente, perguntou à mulher de branco que por ali passava se Pedro ainda residia no local.
- Ah, você pergunta da Estátua d’O Pensador? Foi dada a outro Sanatório. Este aqui terá outra estátua em breve.

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