sexta-feira, 24 de julho de 2009

Crônica do Ódio

O mundo gira, gira... Gira como um carrossel macabro, derrubando montes de pessoas em acessos de fúria de seus cavalos indomáveis. Pisoteando corpos e mais corpos, deixando rastros de sangue a cada volta. Os corpos não são recolhidos, apenas esquecidos e integrados à paisagem que muda, silenciosa e mortalmente...
Quando eu era apenas uma criança, os cavalos pareciam dóceis. Quando não se sabe das verdades da vida, tudo é inocente. O sorriso irônico, a felicidade falsa. A organização mentirosa. Apenas quando cresci um pouco descobri a verdade.
Cresci, sim, a muito custo. Na sujeira do orfanato, nos camuflávamos. Era até feliz, quando era tudo parte de uma grande brincadeira e o leite chegava à minha boca todos os dias. Se eu soubesse que aquela era apenas uma pequena encenação, meu estômago embrulharia e eu vomitaria aquele leite, dia após dia.
Descobri o que significa o abuso. A opressão que te deixa com um sentido de impotência inimaginável; aquilo começou a me enlouquecer. Apanhando dia após dia, sofrendo como um messias mal-interpretado e servindo como solução para sanar raivas incontroláveis.
Vendo por outro lado, a coisa até que não parece tão ruim. Com a responsável por esses pecados amarrada em uma cadeira em minha frente, incapaz de se mover, de falar... De implorar por perdão em minha frente, não parece tão ruim.
O fogo consumia os móveis ao meu redor. Quadros com sorrisos falsos desapareciam em meio às cinzas homogêneas, sofás que não me proporcionam boa lembrança desmontavam em uma morte lenta e quieta.
Em minha mão, o largo bastão pulsava e pedia para ser útil. Para não terminar tudo muito rápido, apenas golpeei a barriga saliente. Ela gemeu de dor. Acredito que, se pudesse, teria gritado como se tivesse visto o próprio demônio.
Eu me sentia como o próprio demônio.
E fechei a porta do quarto pensando sê-lo... Deixando a minha missão cumprida para trás.
Mal sabia eu, que o demônio também podia ser tragado pelas chamas...