quinta-feira, 26 de junho de 2008

O Poeta e o Pêndulo

Eu tinha uma vida de ouro. Uma bela esposa, um lindo e pequeno filho.
Deus os tirou de mim. Por isso, O odeio. Por isso, eu O amaldiçôo. E por isso, me entrego a ele.
Eu era um poeta. Minha vida era feliz e gratificante. Eu era o favorito do Rei; descrevia-o em belas palavras, assim como suas jovens moças. Escrevia-o com paixão, pelas palavras e pela vida. Escrevia com vontade. Com vontade de viver.
É como se minhas memórias estivessem cobertas por uma montanha de areia... E para resgatá-las, preciso prender a minha respiração. Para reviver o que era bom, é necessário me sufocar.
Quando a tempestade os tirou de mim, arrancou de mim também as palavras. De favorito do Rei passei a ser um mendigo, apontado na rua, maltratado e repudiado por todos. A verdade não doía, afinal. Eles amavam a minha palavra, e odiavam-me sem ela. Afinal, o que aprendi é que a paixão alheia é gerada por seus feitos, e não pelo seu caráter. Isso parece tão injusto... Tão falso.
As palavras, quando foram embora, levaram minha alma. Tentei resgatá-la de Deus,mas Ele não me ouvia. Ninguém me ouvia. Eu perdera as palavras. Eu perdera meu nome. Eu perdera tudo que me fazia ser o que era.
Não me retiraram de minha casa, nem sequer ameaçavam. Eu não mais existia, era um fantasma de minha própria existência. E as pessoas têm medo de fantasmas. Este, porém, possuía na escrivaninha uma infinidade de folhas em branco, com um ou outro rabisco. As palavras se recusavam a voltar, e me chamavam até elas.
O pêndulo da minha vida, que ia e voltava com a mesma velocidade, começava a parar. Tinha durado o suficiente para dilacerar minha alma. Tinha durado o tempo suficiente para eu mesmo agarrar a lâmina e enfiar em meu próprio coração despedaçado.


Naquela noite de 14 de Abril do ano de 1675, o poeta foi encontrado morto em sua escrivaninha. No meio das páginas manchadas de seu sangue, apenas uma inscrição:
“Salvem-me”.



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Baseado na música The Poet and the Pendulum, de Nightwish.

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